sábado, 30 de outubro de 2010

O cretino fundamental

Cá estou pra tentar uma façanha, tentar me aproximar de uma definição de quem é Cretino fundamental.
Este talvez seja um dos arquétipos mais famosos de Nelson Rodrigues, que criou outras figuras ilustres como desconhecido íntimo, padre de passeata, estagiária de calcanhar sujo e idiota da objetividade.

O cretino fundamental é um medíocre. É aquele cidadão que não faz muita questão de raciocinar, tornando-se massa de manobra. Flexibiliza seus conceitos éticos como quem dobra uma vara verde. Não é capaz de perceber as coisas de maneira sutil, precisando da evidência escancarada. Pior, é conduzido por canalhas ou outros cretinos quando está na mais absoluta convicção de que está com o controle de tudo.

Se posiciona como um papagaio que repete argumentos de outros sem fazer as considerações devidas, ou fazendo uso de ideais socialmente aceitos, levando a concordância geral sem grandes esforços.
Ele diz em uma mesa de bar que o problema do país é a educação e pronto. Quem há de discordar?

Não me isento, também tenho grandes momentos de cretinice fundamental. Mas sigo lutando contra minha própria ignorância.

Um cidadão médio possui diversos traços desta cretinice, que vemos com constância no dia-a-dia. Não encontra oposição, pois do seu lado há um grandíssimo cretino fundamental. Deste jeito, eles vão conquistando seu espaço em diversos campos. Na política mesmo, a mediocridade, a relatividade da ética, argumentação vazia tem espaço, não é?
A cretinada levou essa. Recolham seus arsenais


Algumas frases do Nelson sobre os cretinos.

- O cretino fundamental é aquele que tenta deturpar o óbvio ululante.
- O idiota da objetividade também é um cretino fundamental
- Ao cretino fundamental, nem água
- Ponha um cretino fundamental em cima da mesa e você manda ele falar, ele dá um berro e imediatamente, milhares de outros cretinos se organizam, se arregimentam e se aglutinam.
- O maior acontecimento do século XX É a rebelião dos ‘CRETINOS FUNDAMENTAIS’!
- Antes, ‘o cretino fundamental' raspava a parede da sua humildade e na consciência da sua inépcia. Mas, agora conseguiram finalmente pela superioridade numérica. Porque para um gênio, você tem um milhão de imbecis.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Influencias artísticas

Aqueles que gostam de literatura, música, ou algum outro tipo de arte já devem ter passado por esta situação:
Após uma exposição sua à arte, sai à rua e começa a ver a vida com as formas e contornos do que foi assimilado. Pode ser Nietzsche, observando os humanos, demasiado humanos, ou a solidão de cortar o estômago de Iberê Camargo no rosto de um mendigo que tenta dormir, ou os sons omissos do dia-a-dia após assistir uma performance de John Cage, qualquer coisa assim.

Os temas não-artisticos também possuem um sentimento semelhante. Por exemplo, estudar economia pode fazer você ver conceitos microeconômicos no vendedor de espetinhos. Porém, a arte tem uma ligação mais direta e mais profunda com o sentimento, ou o "eu interior" , o que diferencia no resultado final da influência.

Bem, uma de minhas leituras atual é "A vida como ela é", do Nelson Rodrigues. Aquela mesma que virou série do fantástico há uns 10, 15 anos. Os textos dele põe o dedo em várias feridas nas relações sociais, principalmente a conjugal. São textos com a cara do cotidiano, recheado erotismo e desfechos fortes e surpreendentes. Como diria o próprio Nelson Rodrigues: - Se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém.

Com este espírito y otra cositas más, dei uma saída hoje e tudo me soou um pouco diferente.

* Em uma mesa, havia um casal perfeito. Ele, um rapaz muito bonito, que chama atenção das garotas. Usava roupas de grife e tinha cara de bom moço. A moça seguia uma linha semelhante, vestida de maneira elegante e discreta, postura, parecia o estereótipo da "menina-de-família". Um casal que tem tudo pra "dar certo" e constituir família.
Porém, era um casal que transparecia o tédio. Ambos permaneciam longos instantes sem pronunciar uma palavra, sem um olhar mensageiro, sem um gesto carinhoso, sem nenhuma provocação, nada. Doía assistir aquilo. Por alguns instantes, eles pareciam realmente solitários com uma companhia "perfeita" do lado. O que se passava?

* Outra mesa trazia uma garota na faixa dos seus 18 anos, linda. Branca, alta e encorpada. Tinha os cabelos negros bem escuros e usava um vestido tomara-que-caia que a valorizava. Além disso, sua mesa era central, o que trazia ainda mais os holofotes pra si.
Um rapaz da mesma faixa de idade a acompanhava. Estava todo de preto com detalhes prateados na altura do cinto e um cabelo que passa aquele rótulo de Emo. Era alto e magro, mas não era feio nem bonito.
O que se viu no lugar foi a garota dando em cima do rapaz sutilmente enquanto ele desviava o rosto, inclinava o corpo pra trás e evitava a garota. Observei que os marmanjos ao redor invejaram a situação do emo na mesma proporção que se indignavam com a falta de ação. O burbrinho era geral. A senhorinha resolveu intensificar as ações e dar em cima dele descaradamente, puxando-o pra si, aproximando o rosto a centímetros.Ele mantinha a "defesa". Pelo gestual do rapaz, ele parecia que estava com algum receio, algum medo. Pois às vezes ele até tentava se aproximar, mas recuava e balançava a cabeça negativamente. Olhava perdido pra baixo.

Talvez eu enxergasse estas cenas mesmo sem Rodrigues. Contudo, ele me transportava nestes instantes. Eu conjecturava como eles se conheceram, a intensidade dos sentimentos, o desenrolar (com doses de erotismo ou a sua falta) e qual seria o desfecho disso tudo (um desfecho Rodrigueano, claro).

A literatura hoje me ajudou a tornar uma saída comum, numa sexta comum, para um lugar comum tivesse um status de única. De histórias que eu vou pensar como poderia ter sido se passasse antes pela cabeça do anjo pornográfico.

Ps: Citar Rodrigues aqui nem é novidade, ele é figura recorrente com suas frases :D

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Coisa de velho

Estava eu escutando meu jazzinho no carro quando um amigo meu interpelou.
- Tira esta música de velho! Põe teu cd de Guns n' Roses aí.

Isso me fez sentir o tempo passar. Eu lembro do Guns no auge, como referência para um monte de bandas que surgiam.

Só que isso já faz mais de 20 anos, excetuando o cd "fantasma" lançado em 2009, eram 17 anos sem nada de novo. Será que uma banda como esta já virou velharia?

Seguimos envelhecendo. E, assim como nossos pais, há uma tendência de "cristalização" das nossas referências mais antigas que atrapalham o acesso as novidades, dificultando a reciclagem. Lembro que brincava com meu tio por ele gostar de Frank Sinatra ainda nos anos 2000 enquanto ele não agregava coisas novas. Sorrateiramente, percebo este processo acontecendo comigo e, em maior ou menor escala, com alguns de meus agregados.

Além disso, há a dificuldade de encontrar as coisas novas e legais no meio de tanta informação difusa. O que nos é jogado na cara são bandas pouco atraentes pra quem tem raízes mais antigas, forçando o esforço em busca de coisas novas e descobrir onde, o que e por que escutar tal banda?

Há um tempo eu tomei uma decisão radical, apaguei TODAS as minhas mp3. [Tá, guardei em dvds, mas raramente as ouço por lá]. Queria zerar, recuperar o desejo de escutar coisas novas, bacanas e atuais, me "descongelar" e posso dizer que tenho encontrado surpresas agradáveis.

Dentre elas, o Hypnotic Brass Ensemble (a jazzband citada no começo), banda com 8 instrumentos de sopro e uma bateria que toca um jazz muito bacana. A banda é de 2004 e eu recomendo pra quem curte o estilo. Pode ouvir este link qui, que os homi tocam superempolgados.

Estou envelhecendo, mas sigo querendo ampliar minhas fronteiras musicais

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Politicaria III - O muro

Os principais métodos multicritério de apoio à decisão acrescentam no seu funcionamento um limiar de indiferença.

Como funciona isso? Em um certo patamar, o decisor é indiferente às alternativas que compara. Ele é capaz de julgar as duas, capaz de comparar, mas não é capaz de decidir. Grosso modo, seria uma "faixa de igualdade". Sem delongas teóricas, os modelos que não consideram a indiferença "forçam" o decisor a tomar uma decisão, que não necessariamente respeite a idiossincrasia do cidadão.

Em modelos de decisão em grupo, a não-tomada de decisão representa algo do tipo "pra mim tanto faz estes dois, vocês que tem razões suficientes que decidam". Esta não é uma postura que possa ser dita 100% neutra em termos de contagem, afinal a indiferença numa decisão em grupo beneficia a alternativa que já está na frente. Porém, em termos pessoais, o decisor se sente mais a vontade, pois não aponta que "a" é melhor do que "b" sem acreditar nisso.

Nas eleições políticas no Brasil, o voto da indiferença é o voto em branco. Não o branco de quem não quer saber de política e vota pra se livrar, nem o branco de quem vota como subterfúgio para ter um salvo-conduto de criticar as pessoas que votaram em quem ganhou e causou uma crise.

O voto da indiferença é de quem não se julga capaz de decidir entre as opções. Chega a colocar as alternativas numa balança, mas ela não pende pra lado nenhum. A partir do momento que a análise foi feita, não é demérito nenhum.

Nas eleições devemos fazer um esforço para optar. Encontrar algum critério, ainda que minúsculo, que decida entre um e outro. Mas se as opções se equiparam tanto a ponto de você não enxergar nenhum diferencial entre as partes, não é nenhum demérito votar em branco.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Versos de Quarta - John Suckling

A frequência pode não ser constante como fora no começo do ano, mas quarta é o dia que as poesias aparecem aqui no blog (exceto os haikais dos sábados, obviamente).

Hoje vamos de John Suckling. Um poeta líder dos Cavaliers Poets. Grupo de poetas que apoiavam a monarquia inglesa nos Idos do século XVII. Não ache que por isso, eles eram nobres chatos que exaltavam as causas pessoais. Cavaliers em inglês também tem um significado de fanfarrão e foi esta vertente que se sobressaiu no grupo.

Essa característica fica claro no verso que eu trago. Ao aconselhar ao Young Sinner no texto, vai incentivando até uma fronteira, talvez da dignidade. Depois disso, termina com um carinhoso "Que o diabo a carregue"



Why so pale and wan, fond lover?
Prithee, why so pale?
Will, when looking well can’t move her,
Looking ill prevail?
Prithee, why so pale?

Why so dull and mute, young sinner?
Prithee, why so mute?
Will, when speaking well can’t win her
Saying nothing do’t?
Prithee, why so mute?

Quit, quit for shame! This will not move;
This cannot take her.
If of herself she will not love,
Nothing can make her:
The devil take her.

*************
Minha porca tradução abaixo é só pra ajudar na compreensão do sentido, nem procurei alinhar as rimas e as aliterações da poesia original por pura incapacidade mesmo. Se você entendeu acima, nem precisa ler embaixo.

Por que tão pálido e triste, tolo apaixonado
Por Deus, Por que tão pálido?
Se, quando estás bem não mexes com ela
Aparentar doente prevalecerá?
Por Deus, Por que tão pálido?

Por que tão desanimado e mudo, jovem pecador
Por Deus, Por que tão lânguido?
Se, quando você fala bem, não a conquita
Não falar vai ajudar?
Por Deus, Por que tão desanimado?

Deixe, deixe, deixe por vergonha! Isso não mudará
Isso não a conquista
Se dela mesma, nunca amar a ti
Não podes faze-lo
O Diabo que a carregue

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Relações amorosos ideais

- Tinha aquelas coisas de casal, de tá no meio da briga, a mãe dizer uma frase e ele dizer "fofa, isso é bom". [se vira de lado e gesticula como quem digita numa máquina de escrever] Tá, tá, tá, tá, e desenvolvia um poema inteiro

Este depoimento é de Estrela Leminski, filha de Alice Ruiz com Paulo Leminski, poeta já citado um quintilhão de vezes aqui.

Eu não acredito em relacionamentos perfeitos. Porém, creio que haja "graus de aproximação" deste modelo ideal, que auxilia não só a manter a relação sustentável como trazer coisas boas para ambas as partes.

Claro, este caso é quase que uma fantasia, uma metáfora, de tão excêntrico que é. Mas, dá pra servir como uma referência de que é possível desenvolver de modo saudável e engrandecedor uma relação entre pessoas além dos preceitos românticos mais básicos e escravizantes. De um entendimento próprio até nos momentos de desentendimento, leveza de espírito, se divertir com a postura do outro. Sem deixar que o desgaste natural da convivência consuma muito rápido o sentimento que uniu as pessoas.

Minha opinião talvez não seja a mais neutra para este tipo de coisa. Afinal, estou solteiro há anos e isso pode soar como uma justificativa do meu status. Pode até ser, exigência, chatice, sei lá. Mas não vejo razão para largar os tantos de liberdade que conquistei se não for para obter uma troca convincente, se não for para querer escrever poesia no meio de uma briga.

A arte de viver
É simplesmente a arte de conviver
Simplesmente, disse eu?
mas como é difícil!