segunda-feira, 12 de julho de 2010

As bacantes

Estive comentando com uma amiga minha que a arte é capaz de mexer com o ser humano de uma maneira interessante, atuando diretamente nas sensações, valores, desejos reprimidos e outras dimensões recônditas. Após a exposição à entidades desta natureza, é comum passar tempo ruminando, enquanto aquilo se encaixa dentro de si.

Foi assim que eu me senti ao assistir As bacantes, uma das quatro peças encenadas pelo Teatro Oficina. A peça é uma representação de uma tragédia grega. Como normalmente faço nestas análises-depósito de lembrança para o futuro, vou registrar uns tópicos:

* Não lembro de ter tido tanta dificuldade pra descrever algo que queria registrar aqui no blog. Quem conhece a pegada do teatro Oficina sabe como a banda toca. Nudez aos montes, sexualidade latente, peças longas de condução não-linear e surpreendente, capaz de inserir uma música do Mamonas Assassinas numa tragédia grega. Peças normalmente longas, que faz você se autoquestionar "Seis horas? vou sair antes..." .

*Agora imagine algo deste quilate sendo apresentado de graça em um bairro popular da cidade. Gente que ia porque era de graça, era perto e porque tinham dito que haveria mulher pelada, ou comida de graça no caso da peça do dia seguinte.

*Eu fiquei em um lugar que era quase uma polarização. Abaixo de mim, alunos empolgados da oficina que iriam fazer figuração de improviso na peça. Vi gente empolgada, como uma garota que deixara os seios a mostra e permanecera só de calcinha e blusa, ainda que para ser figurante isso não fosse exigido. Já acima de mim, populares que criam que era engraçado gritar em determinados momentos. "Veaaado" "que pouca vergonha" "olha quanta rola murcha" "quando que começa a furança?". Todos nós, até você leitor, tem consciência de que isso aconteceria. Mas como seria o cenário no transcorrer da peça?

* Aos poucos, os mais exaltados foram desanimando, a piada estava ficando repetida. Uma peça comprida e de graça tem ao menos esta virtude. Ainda que acontecessem berros esporádicos, as coisas entraram nos eixos na medida do possível. Até um grupo de garotos que ficaram em uma das pontas do teatro, que corriam desesperadamente quando, por questão da peça, subia algum pelado por ali, foram se acalmando. Era uma movimentação que se assemelhava a momentos de briga em aglomerações.

* Havia bastantes cenas fortes e em determinados momentos a tenda montada parecia um estádio de futebol, com o povo se exaltando. Era uma energia muito forte e em determinadas cenas faziam o público vibrar como se fosse um gol. Li que este era um dos desejos de Zé Celso, "o cara" da companhia. Nestes momentos, ele deve ter ficado satisfeito. Também houve a participação de uma mulher da comunidade, com seus 60 e poucos anos, que tirou a roupa e se jogou de corpo e alma na peça, tentando imitar os movimentos alinhados dos atores em determinadas cenas, sem ser interrompida. Foi um show a parte e mais uma na idéia de "imersão" proposta pelo teatro oficina. Disseram que em Salvador, onde a peça havia sido exibida antes, um cachorro vez por outra roubava a cena.

* A peça foi muito bem produzida. Patrocinado pelo ministério da cultura, tinha banda, duas câmeras transmitindo ao vivo, uma tenda montada só pra apresentação. Pelo que eu li, estiveram trabalhando por volta de 60 profissionais. Particularmente eu gosto muito quando dá pra perceber que determinada técnica cênica de movimentação, impostação de voz, ou o que quer que seja, é utilizada como recurso para atingir quem está vendo. Peças bem produzidas como esta exibem uma gama de recursos que ajudam as pessoas a entrarem no clima.

Vou parando por aqui para não deixar o texto ainda mais cansativo. O semironia é uma luta constante contra minha prolixidade. Mas se alguém se interessou mais pelo andamento, vejam a opinião dos especialistas aqui, aqui e uma opinião neste blog aqui


obs: Eu queria deixar este tópico por último, porque é mais pra eu me lembrar e sendo citado assim, não dá a dimensão da razão pela qual foram feitas estas cenas. Sim, em alguns momentos a sexualidade é quase que "forçada", mas não dá pra emitir opinião com as cenas descritas a seguir: dentre as cenas mais "chocantes da peça, houve as mulheres com as "cobras" na cabeça, alunos da oficina convidados para lamber os seios das atrizes, um pênis gigante no canto que um dos atores subiu em cima, uma atriz aproximando a genitália do fogo, como se "esfregasse" nas chamas, a captura de 3 da plateia (incluindo o diretor do filme Amarelo Manga) para tirar a roupa no palco, entre tantas outras. Pena que eu tenho uma memória ruim pra lembrar estas coisas.

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